Saúde no DF: complexidade no debate
A saúde no Distrito Federal não é tema simples de se debater. Vários fatores precisam ser levados em consideração: o tamanho populacional crescente, a recepção obrigatória de cidadãos de outros Estados e de diversos municípios em nossos hospitais, o aumento dos acidentes de trânsito, o envelhecimento da população local, o alto custo operacional e de recursos humanos. Todos esses fatores são preponderantes e afetam, direta e indiretamente, a gestão da saúde pública na Capital e, de fato, é preciso considerar suas nuances.
Outros fatores importantes também se somam a mesma avaliação tais como:. recursos destinados, todos os anos, oriundos do Fundo Constitucional, a arrecadação local tributária e fiscal, incentivos e isenções aplicadas ao sistema de saúde, a estrutura predial, em toda a Capital Federal, construída ao longo dos anos. Tudo isso, precisa ser considerado para debatermos o momento atual pela qual passa a saúde no Distrito Federal e, o que o atual governo ou qualquer outro campo político que se coloque como alternativa ao que está posto, propõem de melhorias para a população. Todas as propostas devem ser bem observadas e analisadas.
Para o exercício de 2017, foram destinados, para o Governo do Distrito Federal, R$ 13,2 bilhões do Fundo Constitucional. Destes, R$ 3,4 bilhões para a saúde. Em arrecadações local (impostos e taxas), o GDF arrecadou R$ 14,3 bilhões, no exercício de 2016. Se compararmos com o município de Belo Horizonte, que teve uma arrecadação de R$ 3,3 bilhões, no mesmo período e, destes R$ 1,2 bilhões destinados à saúde. No entanto, Belo Horizonte, possui população registrada de 2.375.151 (dois milhões trezentos e setenta e cinco mil e cento e cinquenta e um) habitantes e, o Distrito Federal 2.570.160 (dois milhões quinhentos e setenta mil e cento e sessenta). Portanto, falamos de uma arrecadação global 10 vezes maior que um município, praticamente, do mesmo tamanho populacional, com desafios e complexidades tão conflitantes quanto a realidade do Distrito Federal.
No entorno de Belo Horizonte, como no DF, existem regiões metropolitanas, distritos, municípios que consomem a economia local, os aparelhos públicos e assistenciais disponíveis, a segurança e a estrutura do sistema de saúde, tal qual a realidade que enfrentamos aqui talvez, com situações ainda mais diversas tratando-se de um Estado do tamanho de Minas Gerais e com a quantidade de cidades em volta de Belo Horizonte.
Os desafios para se gerir o Distrito Federal não são menores mas, é desproporcional a vantagem que exercemos sobre as diversas capitais e metrópoles do nosso território. Isso, sem contar a vantagem que exercemos sobre vários Estados em termos de arrecadação e benefícios de Governo. Uso Belo Horizonte como parâmetro por ter características populacionais e territoriais próximas de nossa cidade.
Os anúncios de falência da saúde pública precisam ser melhor observados. Se chegamos a este nível de fragilidade, precisamos saber o porquê e, como chegamos a isso? E quais os métodos, decisões e ordens foram tomadas para solucionar o problema? Todas as opções e possibilidades foram exauridas? Por que só temos à frente no horizonte a privatização do aparelho público e o que de fato soluciona privatizar a saúde?
Me incomoda, profundamente, o debate sobre a gestão do recurso público e da administração pública ser realizado de forma tão rasa, simplesmente com a mudança para a iniciativa privada. Afinal, de que serve o ingresso por processo seletivo ou concurso público de milhares de profissionais se, ao assumirem suas funções, são tão questionados e nenhum resultado positivo trazem à população e à gestão governamental?
Será que existe um número expressivo de profissionais no mercado, competentes e à disposição do Estado, totalmente independentes da estrutura estatal, capazes de trazer à público a solução de todos estes problemas a ponto de modificarem profundamente o modelo de gestão e administração e, iniciarmos uma nova era da gestão da saúde do País? Se for assim, não há o que dizer ou questionar! Porém, a realidade é outra. No mundo real, a iniciativa privada recorre aos servidores da carreira pública. São, exatamente, esse servidores que conhecem o funcionamento da estrutura hospitalar e da gestão de Estado, reconhecidos profissionalmente e recrutados por qualquer Organização Social ou empresa privada.
O recurso destinado à administração tem a mesma origem, a mesma função e exercerá o mesmo fim – não haverá “dinheiro novo” ou “dinheiro limpo”. Os órgãos de controle e fiscalização cumprirão o mesmo papel que cumprem quando o gestor do recurso é o Estado. De fato, o que altera ou muda caso a ementa seja verdadeira? Nada, muito menos a celeridade nas contratações diretas.
O que acontece, hoje, no Distrito Federal precisa ser dito de forma mais clara e objetiva. Temos um problema real de recursos humanos e na gestão da coisa pública na Capital. Problema ainda maior encontramos nos planos de governo de cada mandatário eleito em um passado próximo. Talvez, nas últimas décadas, com exceções pontuais de gestões, em momentos diversos, citamos os governos de Aimé Lamaison, de 1979 a 1982, onde Jofran Frejat era o Secretário de Saúde ou o governo de José Aparecido, de 1985 a 1988,(tanto tempo que já não fazem mais parte da memória da cidade). Nenhum outro período foi relevante para a saúde pública do DF. No máximo vivemos um período maior de estabilidade durante o governo Agnelo, de 2011 a 2014, reconhecido inclusive, pelos cidadãos usuários do serviço público e dos servidores do quadro.
É preciso saber que não gastamos um único centavo de recurso com instalação ou locação de imóvel. Temos postos de saúde, UPA`s e hospitais distribuídos por todas as partes, cidades satélites e diversas regiões administrativas, ou seja, aparelho público e estrutura física prontos, em condições de funcionamento, com cobertura de atendimento em todos os pontos do quadrado.
Nossa arrecadação, em uma conta simples, daria para investirmos neste último ano, R$ 1.283,97 (um mil, duzentos e oitenta e três reais e noventa e sete centavos), por cidadão. Óbvio que este não é o cálculo, no máximo uma provocação. Preponderante é compreender como 40% dos servidores de carreira estão exercendo função em outras atividades ou cumprindo alguma dispensa ou liberação de suas funções chegando ao ponto de 36% do quadro de cirurgiões gerais do HRAN, um dos principais hospitais da cidade. Esses profissionais, estão cumprindo função em outros órgãos ou departamentos incluindo ocupação pública em outros Estados, Municípios ou na estrutura pública do Governo Federal, desviados de suas funções de origem.
Vale salientar que, em pleno século XXI, não adequamos a administração hoteleira hospitalar, não informatizamos todo o sistema de atendimento ao público, temos dificuldades na implementação de CPD, praticamente inexiste comunicação entre as diversas áreas da rede pública hospitalar, cobramos dos servidores uma exclusividade desnecessária, junto com uma carga horária inoperante e uma gestão pública de compras que não condiz com a realidade do mercado, muito menos com a necessidade real do sistema de saúde, não pagamos fornecedores que prestam serviços necessários para o funcionamento de um hospital como caldeiras ou até mesmo de lavanderia e higienização dos materiais usados no dia a dia.
Vivemos um modelo administrativo ultrapassado e com pouca ousadia para mudar o rumo. A resposta mais prática para qualquer dificuldade é entregar à outro a sua própria responsabilidade e, de fato, nada mudará, mesmo privatizando todo o sistema se a mudança não for de concepção, de cultura, de modelo de gestão. Privatizar o sistema de saúde do DF está longe de ser a melhor opção, pelo contrário, é ampliar o erro e o tamanho do buraco que nos encontramos mantendo os mesmo vícios e desvios. Pobre daquele que imagina que a política e o poder público também não interferirá na composição empresarial, na tomada de decisão, na indicação funcional, na aquisição de materiais ou produtos de consumo.
Fernando Neto é ex-secretário de Juventude do Governo Agnelo Queiroz